Atenção: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência!
Ela
passou pela guarita do prédio, de óculos escuros e sobretudo marrom. Não chovia
naquele dia, mas também não fazia sol. Acenou com a cabeça ao porteiro e o
funcionário liberou a passagem. Primeiro a vermelha, depois a verde, e as duas
grandes malas de rodinhas voltaram a segui-la pela rua. Olhos curiosos poderiam
perguntar: para onde vão? O que estão levando? Mas nenhum poderia supor: Quem
estão escondendo?
A
vermelha estava mais pesada. Ele era mesmo um sujeito cabeça-dura, pensava ela
enquanto se aproximava do estacionamento perto da esquina. Entrou e pediu o
automóvel sedã branco importado, bancos de couro, câmbio automático. Não era
daquele ano, mas fora presente de aniversário de casamento. O manobrista perguntou:
A senhora quer ajuda pra por elas no carro?
Não!
Não quero nada não! Ela se assustou e, por um momento, se descontrolou. Logo em
seguida pediu desculpas, alegou dor de cabeça e aceitou o auxílio do rapaz para
colocá-las no porta-malas. Nem passou pela cabeça dele que um dia poderia ser
chamado na delegacia, suspeito por conta de uma digital.
Ao
sentar-se e segurar o volante ela ainda pensou: o que estou fazendo? Tentou se
convencer: é tudo parte do plano e não posso mais desistir dele. Tenho que me livrar
disso, eu preciso deixá-lo em segurança e estará tudo terminado. Pegou a
estrada, pretendia cruzar o limite do município e alcançar o rio antes do
anoitecer. Mas essa parte do plano não iria acontecer bem assim.
Foi
na rodovia que tudo mudou. O trânsito estava lento, tinha triagem na pista, o
policial fez sinal para o carro dela. Ela encostou, tentando manter a calma. O
policial checava tudo, procedimento de rotina: documentos em ordem? Deixa eu
conferir no sistema. Opa, temos um probleminha aqui, cidadã, parece que não foi
pago o imposto deste ano! Como? Ela se assustou, isso não podia estar
acontecendo!
Saiu
do veículo e tentou argumentar: veja bem, meu marido, ele se foi, quer dizer,
ele se vai, ele vai pescar! E eu preciso levar as malas com ele, as malas de
rodinhas que estão no carro, ele está nas malas, ou melhor, ele está esperando
as malas para descer o rio. Eu preciso me livrar delas, ou seja, entrega-las
ainda hoje! O policial assobiou, bateu a mão no bolso e respondeu: tem como a
dona pagar o “imposto” agora?
Tinha.
Mas ela ficou sem o dinheiro para pagar o pedágio. Precisou entrar na primeira
cidadezinha que viu para procurar um caixa eletrônico. Só vai ter no centro,
moça, mas fica pertinho, do ladinho dos Correios, explicou o frentista de
macacão azul. E ela pensou: se desse para enviar as malas pelo correio seria
bom! Mas quem as receberia? O próprio marido?
Conseguiu
tirar o dinheiro, já era quase noite. Quando voltava para o carro, uma senhora
comentou com ela: Minha filha, tem alguma coisa cheirando muito mal por aqui,
cuidado viu, pode ter xixi de gambá nas rodas do seu automóvel! Ao ouvir isso
ela ficou branca como o carro, seu corpo tremeu dos pés à cabeça, a vista
escureceu com os óculos e tudo, e desmaiou!
“Notícia
urgente! Mulher confessa ter esquartejado o marido, colocado as partes do corpo
em sacolas azuis e jogado na beira da estrada!”
Ela
acordou com o barulho da televisão. Estava deitada em um sofá tão mole que seu
corpo parecia afundar no rio. Olhou em volta assustada e perguntou: Onde estou?
“A
mulher está presa na delegacia! O corpo já foi identificado, encontraram a bala
fatal na cabeça do marido, que estava na última sacola azul. Mas ainda não
acharam as três malas de rodinhas”
Malas
de rodinhas? Onde estão minhas malas? Ela se levantou e deu de cara com aquela
senhora que havia falado sobre o cheiro ruim que fatalmente escapava do
porta-malas. E agora? Pensou. Mas a senhora lhe abriu um sorriso, ofereceu uma
bandeja com biscoitos, perguntou se ela já estava melhorzinha e sugeriu que
descansasse ali naquela noite.
Onde
está meu carro, senhora? Perguntou. Ora, lá fora querida, na frente dos
Correios. Mandei meu neto lavar as rodas com a mangueira para sair o cheiro de
gambá! Não se preocupe. Ela sentou-se aliviada e aceitou um biscoito. Começou a
prestar atenção ao noticiário. Ainda se falava da mulher que tinha cortado o
marido em muitas partes. Nossa, que crime bárbaro! Ela comentou com sua
anfitriã. Quem teria coragem para isso? Se a moda pega...
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