Por um mindinho!
Dedo Mindinho. Crédito de Imagem: Smartkids |
O ronco grave e ritmado cessou de repente e
o coração despertou acelerado. Tinha sido o som de uma lâmina aguda, ao cortar
ao meio uma cenoura, que lhe assustara. Os barulhos da faca picando legumes
sobre a tábua de madeira vinham da cozinha. Ela deveria estar preparando sopa
para o almoço, pensou.
Raios de sol entravam pelas frestas entre
as telhas e a parede de alvenaria, o estrado da cama estralou e o cheiro de café
invadiu os pensamentos dele. Suas mãos foram ao encontro de seu rosto,
esfregaram os olhos e coçaram a barba. Depois, tatearam o criado mudo até
encontrar o relógio de pulso, presente de aniversário da mãe, e a aliança de
casamento. Ele olhou o anel dourado brilhando no dedo, lembrou-se da esposa e
voltou a prestar atenção nos ruídos da cozinha. Só podia ser sopa.
Levantou-se, foi ao banheiro, abriu a
torneira, colocou as mãos em forma de concha e deixou, por alguns segundos, a
água acumular-se ali. Jogou-a no rosto para espantar o sono e lavar a cara
amassada. Trabalhar na fábrica à noite tinha suas vantagens e desvantagens. Caminhou
em direção à porta, colocou a mão na maçaneta de metal, meio enferrujada, e
sentiu um calafrio. Mas seu único pensamento foi: preciso de um café. Encontrou
a garrafa térmica em cima da mesa da cozinha. Pegou um copo de vidro na pia e
serviu-se, o que primeiro esquentou-lhe a mão e logo depois o estômago.
Só então ele reparou que a cozinha estava
vazia. De dentro do panelão de alumínio no fogão vinha um som de borbulhas. Ele
estava curioso: seria mesmo sopa? Largou o copo, aproximou-se do fogo, segurou
a tampa da panela com a mão direita e, com cuidado, abriu-a. O vapor subiu e
inundou o ambiente. Era sopa. Ele se distraiu por um instante, feliz por ter
adivinhado qual seria o prato do almoço. De repente, uma borbulha mais ousada
estourou e o líquido fervendo atingiu-lhe o dedo. Largou a tampa da panela com
força, praguejou e esfregou a pele ardida.
Nesse momento, a esposa entrou na cozinha,
ouviu o marido xingar e segurar o dedinho e ficou preocupada. O que aconteceu? Deixe-me
ver, queimou? Qual dedo foi? O mindinho, não se preocupe. Esse dedo é inútil, não
serve para nada, disse ele. Cerca de quinze horas depois, um companheiro da
metalúrgica iria cometer um erro fatal e largar a prensa de metal, meio
enferrujada. Lula só escaparia por um mindinho. Salvou a mão, mas perdeu o dedo
inútil.
Caraca, meu. Muito bom!
ResponderExcluirHaha valeu! ainda tenho algumas crônicas pra postar e outras na gaveta da memória pra fazer! :)
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